Transcrição completa do episódio
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E nesse mês de março, estamos integrando a campanha #OPODCASTÉDELAS, pela maior inclusão das mulheres no mundo dos podcasts.
(INÍCIO)
[00:00:00]
[Vinheta de abertura]: A Era do Áudio.
[Abertura]
Ananda: Eu sou a Ananda Garcia e nesse podcast vou conversar e aprender com os profissionais que fazem os sons e os conteúdos que a gente ama ouvir. E se você também é dessa tribo, cola aqui e ative os seus ouvidos, porque você está na Era do Áudio.
[Recado]
[Trilha sonora]
Ananda: Hoje eu estou um pouco nervosa, porque a minha convidada é uma jornalistona que sabe construir perfis sonoros com uma narrativa que a gente fica boba. Ela criou um dos melhores podcasts do Brasil, é roteirista, escreve para o New York Times, já passou pela revista Piauí, pelo GregNews, tem mestrado em estudos latino-americanos pela universidade de Columbia e já foi indicada ao Oscar pelo documentário Democracia em Vertigem, do qual ela foi co-roteirista. E, além de tudo, ela é uma mulher acessível e aceitou estar aqui. Carol Pires, muito bem-vinda e obrigada. Obrigada por estar aqui.
Carol Pires: Obrigada, querida. Sempre que mencionam a parte do Oscar, parece que estão mentindo sobre mim mesma. Obrigada.
Ananda: Não, não, mas essas histórias do Oscar, que eu já ouvi em várias entrevistas que você deu, eu achei fantásticas. Todas são preciosas.
Carol Pires: Todo mundo quer saber se tem Brad Pitt na história. Não tem, só tem perrengue.
Ananda: Leonardo DiCaprio. Carol, obrigada mais uma vez por estar aqui. A gente tem muita coisa para conversar. Eu queria começar te perguntando um pouco sobre o Retrato Narrado, que acho que foi um dos melhores podcasts aí de 2020. Eu sou superevangelizadora, como a Helen Ramos falou no Calcinha. Eu adorei, eu sempre copio, porque eu estou sempre recomendando para as pessoas, mas, para quem não conhece, não ouviu ainda, gostaria que você falasse um pouco desse projeto e de como surgiu a ideia de apresentá-lo para o pessoal da Rádio Novelo.
Carol Pires: Sim. Eu sempre gostei muito de escrever perfis, acho que sempre foi minha pira no jornalismo. Na faculdade, eu achava que eu ia trabalhar escrevendo biografias, eu queria fazer uma coisa meio Ruy Castro e tal. Na Piauí tinha esse espaço de escrever grandes perfis, porque eu acho que os jornais dão mais esse espaço quando é época eleitoral, faz um perfil aqui e ali de um candidato, mas não têm muito costume de perfilar grandes personagens da política. Quando eu fiz o Democracia em Vertigem, eu fiz o roteiro do documentário, termina com a visão da Petra sobre o processo do impeachment, que eu tinha coberto como jornalista para a Piauí, então depois fui para fazer o filme, e a última cena do filme é a eleição do Bolsonaro, as pessoas comemorando na rua a eleição dele e tem uma ceninha da posse. Então ali a história continua um pouco. Eu gostei muito de fazer o documentário, porque foi a minha primeira experiência com audiovisual e eu fiquei muito animada com as possibilidades daquilo. Acho que eu fiquei muito animada com a possibilidade que eu vi vendo a Petra fazer, de contar uma história política de maneira subjetiva através do seu olhar e ficar muito legal a partir do momento que você explica: “Minha visão vem deste lugar, foi assim que eu vi”. No meu caso, como eu sou forjada no jornalismo e minha vida não é tão interessante assim, não tinha por que falar da vida do Bolsonaro a partir da minha, não tem nada na minha vida que se cruze com a do Bolsonaro, mas sim esse lugar de dizer: “Olha, eu sou uma jornalista e eu também não entendi nada. Eu estava aqui no Congresso, eu conheço esse deputado há muitos anos e também não percebi que ele poderia ser um candidato à presidência”. Eu sempre fico pensando que eu que dedico minha vida – hoje em dia nem trabalho tanto com reportagem, mas sou viciada em ler os jornais e todas as notícias, tenho meio que uma ansiedade para saber que eu li tudo que saiu nos jornais hoje -, é difícil você fazer essas conexões cronológicas mesmo e de perceber que alguns personagens se repetem de uma notícia para a outra, porque o jornal é, de alguma forma, caótico. Hoje tem um repórter que vai descobrir, revelar algo sobre o Bolsonaro no tempo de militarismo, outro vai falar alguma coisa do governo, e como a gente faz as conexões entre tudo isso que está sendo dito? Então eu senti que tinha lugar para fazer essas conexões, para organizar tudo isso que tinha saído sobre ele e ir além, e descobrir mais sobre ele. Tentar entender mesmo. Foi quase que um trabalho de tentar entender primeiro para poder explicar. Eu queria muito entender. Eu sentia que eu lia e pensava: “Agora eu tenho muita informação, mas continuo não entendendo o que aconteceu aqui”. Já tem tempo. Eu comecei a apuração em 2019, assim que ele foi eleito, então de lá para cá acho que a gente já entendeu a figura.
Ananda: Ia mesmo te perguntar quanto tempo antes começou a sua pesquisa, como foi esse trabalho para te preparar para o podcast ou se as informações foram vindo também conforme você explorava in loco também, sabe?
Carol Pires: Não, eu já tinha feito bastante coisa. Depois que o Bolsonaro despertou como possível candidato à presidência e um candidato competitivo, eu o entrevistei com a Petra para o Democracia em Vertigem, a gente ficou umas duas horas com ele no Congresso – isso no final de 2016, então logo depois do processo de impeachment. Aí, quando foi 2017… não, ainda estava no meio do filme, no meio da montagem, a Revista Época me chamou para fazer um especial de fim de ano que eram as cinco principais personalidades do ano na área da política, economia, cultura, uma coisa assim, e eles decidiram perfilar o Bolsonaro não como uma personalidade política, mas como uma personalidade cultural, falar dele um pouco como agente da guerra que estava rolando, da guerra cultural. Isso, final de 2017. Então ali eu viajei – não com ele -, o encontrei em uma formatura militar, passei a manhã toda ali acompanhando a entourage dele, então ali também já tinha. E quando chegou finalmente 18, que era o ano da eleição, eu fiz um episódio para o GregNews, que era uma espécie de perfil dos candidatos, um episódio para cada um, e eu fiz o do Bolsonaro. Então ali eu também já tinha feito muita pesquisa de vídeo principalmente, coisas antigas dele. Acho que ali eu comecei a perceber como o discurso era o mesmo. Tem uma coisa que a gente não pode acusar o Bolsonaro: é de ser incoerente no discurso. Ele fala essas coisas anticientíficas, apolíticas, conservadoras, homofóbicas desde sempre; o Brasil que foi mudando e esse discurso começou a fazer sentido para muita gente.
Ananda: Uma coisa que eu ia te perguntar, que eu acabei não perguntando, é se essa foi uma conclusão a que você chegou mesmo durante o processo de fazer podcast ou se…
Carol Pires: Ah, não, eu não gosto nunca de começar com uma tese e tentar comprovar a tese, porque eu acho que te cega para várias coisas. Como eu falei, era uma intenção desde o início realmente sair a campo querendo entender o personagem e eu queria que fosse algo que um apoiador dele ouvisse e não tivesse o que se queixar. Eu acho que eu fui bem honesta no podcast. Eu acho que isso foi inclusive uma conclusão porque era isso. Eu ficava pensando: “Mas o que aconteceu?”, eu acho que eu estava procurando a resposta nele. O que ele fez para conseguir ser eleito? O que ele fez para criar essa onda? O que ele fez para se tornar tão popular na internet? É claro que tem muita coisa que é ação dele, dos filhos, da família e tal, mas em conjuntura: olha a carreira da Marina Silva. Por que ela parece que quase foi para o segundo turno em uma eleição e na outra ela terminou em sexto, sétimo, oitavo, não lembro. Não é só sobre seu esforço e sua capacidade ou sua trajetória. A política tem muito a ver com essas ondas, e ele surfou uma onda. Então em algum momento eu entendi que eu não ia encontrar a resposta nele, tanto que, quando eu vou ler todos os discursos que ele fez na Câmara 28 anos como deputado, não tinha essa resposta que eu estava procurando. O que ele mudou? Por que isso aqui de repente saiu de ser um deputado folclórico para virar presidente da República? E a resposta não estava nele, estava no país. Mas o podcast era sobre ele, não era sobre o país. Eu tinha que fazer um recorte, não dava para falar sobre tudo, então talvez alguém possa fazer um grande podcast sobre o Brasil nos últimos 30 anos. E, por fim, ainda teve uma última coisa que eu fiz: o Jon Lee Anderson, que é repórter da revista New Yorker, que é um grande amigo e meio que meu farol no jornalismo, sempre que ele vem para o Brasil fazer alguma reportagem – não todas as vezes, mas na maioria das vezes – eu trabalho com ele, o ajudo um pouco fazendo tradução, fazendo reportagem, produção, o ajudo nas reportagens, viajamos juntos e tal. Então, quando o Bolsonaro foi eleito, ele veio. Então a gente veio aqui na posse, fomos assistir à posse, viajamos um pouco pelo país, fomos ao Rio, e ali ele quis ir a Eldorado, então a primeira vez que eu fui a Eldorado, que é a cidade onde o Bolsonaro nasceu, eu fui com o Jon. E aí eu percebi essas coisas de tudo isso que eu já sabia do Bolsonaro, dessas apurações pregressas, como estava tudo ali. Tudo que eu sabia sobre ele meio que nascia ali em Eldorado. Então ele publicou a reportagem dele na New Yorker e eu ofereci esse projeto para a Rádio Novelo. Então meio que já tinha toda essa bagagem e um pouco da ideia do que eu queria mostrar, mas claro que fazendo é outra coisa. Quando você começa mesmo a conversar com as pessoas em primeira mão, pessoalmente, você vai ganhando outra dimensão do personagem.
Ananda: Uma coisa que eu fiquei pensando: como você lidou com a coragem – ou se isso nem passou pela sua cabeça – de ir lá falar com certos personagens que estavam de certa forma ligados à história do Bolsonaro? Em algum momento teve algum medo ou você pensou: “Nossa, será que isso é perigoso?” E você devia estar já com um barrigão, você estava grávida quando foi fazer tudo isso.
Carol Pires: É.
Ananda: Isso foi uma questão para você ou não?
Carol Pires: Como eu tinha ido com o Jon primeiro – eu já estava grávida quando eu fui com o Jon, mas eu estava com o Jon, que é um repórter de guerra, cobriu o Afeganistão, estava em um hotel em Bagdá quando foi bombardeado, então não era em Eldorado que eu acho que eu ia ficar com medo de qualquer coisa. E aí, como eu tinha ido com o Jon e tinha visto que, na verdade, é uma cidade de interior muito pequenininha, tranquila, amigável, tem uma energia boa, é coberta de Mata Atlântica e várias reservas ao redor, é um turismo mais esportivo e de natureza, para você fazer trilha, ir a cachoeira e tal. Então não tinha muito o que ficar com medo. E aí, quando eu cheguei lá também, é isso. Eu estava grávida. O Gustavo Zysman, que era o técnico de som, comprou uma Kombi, adaptou como estúdio de som, então a gente andava em uma Kombi, ele estava com um chapéu de palha – era muito sol. Então a gente era uma dupla meio improvável, uma dupla de jornalismo investigativo improvável, eram uma grávida e um menino menor que eu de chapéu de palha e os dois andando em uma Kombi.
Ananda: Nessa visita a Eldorado, você falou com algumas pessoas que pareciam estar felizes em participar. Não sei se foi o tal de Válter, que foi colega do Bolsonaro, eu lembro que uma pessoa falou assim: “Nossa, tudo que for para falar bem do Bolsonaro eu quero participar, eu tenho orgulho em participar”. Teve uns lances assim. E também outras pessoas que você falou ao longo do caminho, em outros momentos, elas provavelmente não sabiam que aquilo era uma coisa que por fim teria um propósito mais negativo para a imagem do Bolsonaro, imagino eu. Alguma delas te procurou depois? Você sofreu algum tipo de, entre aspas, ameaça ou retaliação, ou qualquer coisa do tipo, ou não teve nenhuma repercussão desse tipo?
Carol Pires: Não, porque eu fui a campo realmente com o desejo genuíno de entender o personagem e, para você fazer isso, você precisa um pouco se despir de tudo que você pensa. É claro que eu tenho a minha opinião sobre o Bolsonaro e já tinha lá atrás. Principalmente quando eu ia falar com as pessoas. Então os amigos do Bolsonaro não são o Bolsonaro; os militares que serviram com ele não são o Bolsonaro. O Bolsonaro que eles conheceram não é o Bolsonaro político, é um Bolsonaro que era seu colega de jogar futebol, era seu colega na escola, era seu colega de quarto, era alguém que não tinha poder sobre eles, então é outro tipo de relação. Então eu sempre vou a essas entrevistas muito de coração aberto e empática. Eu consigo rir das histórias que eles contam, eu consigo me colocar na situação de uma pescaria e achar aquilo realmente divertido, engraçado, e não pensar que era o Bolsonaro que está tentando liberar garimpo na Amazônia que estava ali aos 17 anos naquela história engraçada de um jogo de futebol. Eu sinto que eu cumpri meu papel quando, no final, muitas pessoas falavam assim: “Gostei muito da conversa, porque normalmente as pessoas chegam aqui perguntando: ‘Ele era homofóbico quando era criança?'”. Gente, ele não era homofóbico quando era criança. Quando ele criança, ele era criança. E eu acho que, no final, apoiadores do Bolsonaro que ouviram o podcast e que chegaram a me escrever, nenhum deles fez nenhuma correção de informação. Eu tento não usar adjetivos, eu só conto o que eu vi, o que eu percebi e minha impressão. É isso, acho que não tem muito o que reclamarem. Também não é um podcast de denúncia, é um podcast… é um perfil. E outra coisa que as pessoas perguntam muito, se eu sofri ameaças. Não, podcast é uma coisa, no fim das contas, sofisticada. Você tem que ouvir 40 minutos de áudio para ouvir um episódio. É difícil você ouvir aqueles 40 minutos e depois, sei lá, ir no Twitter me xingar. As pessoas brigam e se xingam quando é uma coisa mais objetiva e curta e com linguagem de redes. Elas me xingam mais por um tweet do que pelo podcast.
Ananda: Carol, você sabe de alto quantas horas de gravação ou de captação externa você teve? E você tem alguma dica ou alguma estratégia, alguma maneira que você usava para costurar essas informações? De fato, é uma história muito boa de se ouvir, é uma narrativa muito agradável, é bem uma contação de história. Tem o seu segredo, a sua habilidade para fazer isso? Como é?
Carol Pires: Então, não lembro quanto tempo tem de gravação, mas eu lembro que a Novelo estava fazendo ao mesmo tempo o Retrato Narrado para o Spotify e o Praia dos Ossos para a Piauí, e eu lembro que elas tinham muito mais tempo de gravação, que a delas era realmente uma coisa de: elas foram em todos os personagens, conheceram a Ângela, viajaram vários estados e tal. Eu tinha planos de fazer mais viagens do que eu fiz, mas eu comecei a me sentir muito mal da gravidez, estava pesando muito, tive uma inflamação na bacia porque eu estava fazendo um esforço físico muito grande e minha barriga ficou gigante. Começou a doer muito para caminhar, então eu não fiz todas as viagens que eu queria ter feito. Mas tem uma coisa também que um dia a Paula Scarpin, da Rádio Novelo, estava me comentando. Claro que são importantes as viagens no Retrato Narrado, mas ele tem mais uma coisa de análise, de conexão dos fatos. Muita coisa ali era menos sobre viajar e era mais sobre pesquisa, então eu mergulhei nos jornais antigos, nos discursos dele na Câmara, que estão disponíveis no site. Ouvi tudo aquilo. Então era mais um trabalho de ensaio do que exatamente de reportagem de ir para rua e caçar as pessoas, sabe? Então precisou de menos horas para fazer o Retrato Narrado do que o Ângela. E isso é uma coisa; agora, como contar história… no final, eu acho que eu usei muito da experiência que eu já tinha com a Piauí, que era de encontrar os detalhes que são reveladores da personalidade da pessoa, detalhes que vão estar na decoração da casa dela ou vão estar na roupa que ela usa, vão estar no jeito que ela fala, nas palavras que ela escolhe para falar, o jeito que ela te recebe, como ela lida com a imprensa, todos esses pequenos detalhes que vão compondo a reportagem. E a Piauí, como vem é bem dessa escola do jornalismo narrativo, já tem essa coisa muito forte de construção das cenas; aposta em cenas, em descrição dos lugares. Então isso me serviu muito para o podcast, foi legal. A novidade foi um pouco descobrir minha voz no sentido literal, como usar minha própria voz para compor tudo isso. E é legal, porque, no fim, eu falo como eu penso. Foi interessante, eu nunca escrevi um podcast para outra pessoa narrar. Esse meio que eu vou lendo, ele já está dentro da minha cabeça.
Ananda: Também você tem várias influências na América Latina, de outras revistas e jornais que também fazem esse jornalismo mais narrativo, literário. São outras referências que você tem que você pode aplicar depois ao seu trabalho.
Carol Pires: Sim, totalmente. É, eu venho muito dessa escola da Fundação García Márquez de jornalismo. Eles fazem muitos cursos, eles são meio que um hub de jornalistas da América Latina, da Espanha, Portugal. Então eles têm muito mais essa cultura, o jornalismo latino-americano de fazer reportagens que são menos noticiosas, mais como crônicas mesmo, porque são interessantes de se observar situações, personagens, que são interessantes de se observar e o texto é quase tão interessante quanto o personagem, a forma como se constrói o texto. Acho que o jornalismo no Brasil tem mais esse caráter informativo, de serviço informativo, então tem menos lugares para publicar esse tipo de reportagem. Eu lembro, uma vez eu fiz uma reportagem para uma revista colombiana que era sobre um animador de torcida de uma equipe de futebol de Barranquilla que se vestia de tubarão e foi virando o mascote do time, e daqui a pouco o time meio que assumiu esse tubarão como sendo o mascote oficial do time e contratou um animador de torcida que se vestia em um tubarão de plástico inflável. Meio que roubou o personagem do cara – perdeu o acesso ao estádio e ficou deprimidíssimo e tal. Então não sei o que informa essa história – pouca coisa -, mas era uma história muito legal, e a história do cara era muito legal e implicava um pouco sobre fanatismo colombiano pelo futebol e tal. Foi muito importante para mim também ter essas experiências de publicar em revistas latino-americanas.
[Recado]
Carol Pires: Por isso eu, Carol Pires, decidi fazer o caminho contrário: eu passei a andar para trás.
[Trilha sonora]
Ananda: E uma coisa que você comentou antes sobre a questão do jornalismo mais narrativo: ele também precisa de certos recursos para se diferenciar do que é factual da conjuntura atual, porque senão o conteúdo acaba não sendo perene. Eu até gostaria que você falasse um pouco sobre a maneira de perguntar para o entrevistado de uma forma que aquilo que você vai receber em troca não seja sobre o hoje, o que está acontecendo hoje, mas sobre toda uma estrutura, sobre um nível mais de sociedade, uma coisa mais evergreen, mais relevante ao longo do tempo. Não sei se me fiz entender.
Carol Pires: Sim, sim. É, porque também tem uma coisa assim, só para estabelecer que a ferramenta do jornalismo narrativo, não é sempre que você consegue usar. Porque, por exemplo, se eu estou aqui trabalhando – vou inventar – na Folha de São Paulo e vou agora cobrir uma reunião ministerial, e aí, não sei, o Bolsonaro demite um ministro. Não tem por que eu escrever agora, que é uma informação que as pessoas precisam saber rapidamente… eu não vou escrever: “Aboletado na cadeira, Bolsonaro apontou para o ministro…”, não: “Interrompeu a reunião e demitiu o ministro”. Agora, se eu tenho espaço para, em um especial de fim de semana do jornal, investigar melhor o que estava por trás daquilo, por que ele decidiu fazer isso publicamente, na frente dos outros ministros, e se isso era um recado para outra pessoa… quando eu vou investigar o bastidor, aí talvez eu tenha mais espaço para usar essa coisa mais narrativa e colocar o personagem ali. Mas principalmente se eu fosse, por exemplo, escrever um perfil desse ministro ou o perfil do Bolsonaro, aí esses detalhes vão ficando mais relevantes. Eles vão revelando algo mais sobre o personagem. Aí, quando você vai fazer uma entrevista para ficar mais assim, você tem que fazer pesquisa. Vou pensar em um outro exemplo: vou entrevistar o senador X hoje, mas eu quero que seja uma reportagem perene, que seja um perfil desse senador que possa ser lido daqui cinco anos e vá continuar sendo interessante. Aí eu não vou perguntar para ele sobre a decisão que ele tomou, como ele votou ontem; eu vou ter que fazer uma pesquisa para ver todas as vezes que ele votou, para entender se ele é coerente ou se ele se contradiz ou se ele mudou de ideia, se ele mudou de lugar no espectro [00:20:55] político, perguntar para ele algo assim: “A votação do senhor ontem foi de encontro às votações que o senhor tem feito nos últimos dez anos. O que aconteceu?”. E aí isso vai ser mais perene. Mas vem muito da sua capacidade de pesquisar antes. Ou, se for um assunto que você por acaso não conseguiu pesquisar, de chegar lá na hora e falar, perguntar. Você também pode… você vai usar muito tempo para isso, mas perguntar: “Essa votação, o senhor sempre pensou assim? E antes? E quando o senhor era vereador? E quando o senhor era jovem, o senhor já pensava assim?”. Também dá para perguntar na hora e ir investigando na hora, mas em geral as pessoas te dão muito pouco tempo para você conseguir usar o tempo para fazer a sua pesquisa ao vivo.
Ananda: E, Carol, pensando no podcast, como trazer tudo isso para o áudio, em que as pessoas não conseguem visualizar muitas vezes? Além dos elementos sonoros que foram inseridos, de edição ou então captação de um barulho de carro passando, passos, trilhas, tem alguns recursos que você utilizou para tentar dar mais vida? Você já falou um pouco sobre isso agora, ao longo da conversa, mas queria que a gente tentasse focar um pouquinho mais na coisa de como trazer para o áudio o que está acontecendo ali de uma maneira descritiva etc.
Carol Pires: Quando eu saí para fazer, as dicas que, de novo, a Paula Scarpin me deu – ela estava muito mais acostumada a rádio e podcast… então eu tenho mania de, enquanto a outra pessoa está falando… é uma coisa que a minha mãe faz e eu faço também, eu fico acompanhando a mesma expressão que a pessoa está fazendo, então se a pessoa está feliz, eu fico feliz; se a pessoa está chateada… eu vou fazendo assim. E acabo também fazendo sons, então eu fico: “Aham, claro”, “Uau”, “Nossa”, enfim, manias, e no podcast você não pode fazer isso, senão você está arruinando o áudio da sua entrevista. É um esforço, eu sempre preciso estar consciente que é para eu não ficar fazendo esses pequenos barulhinhos e também de não interromper a pessoa, porque às vezes a pessoa está meio engasgada ali em uma palavra que você sabe que palavra é, mas não é para você ajudar, sabe? Deixa a pessoa terminar de falar. Então isso é importante, e sempre também dizer para o entrevistado antes: “Olha, não vai aparecer minha pergunta”. Às vezes pode até aparecer sua pergunta, mas é bom avisar que não vai aparecer a sua pergunta, então que, sempre que você fizer uma pergunta, para a pessoa… igual aulinha de inglês, você tem que responder junto com a pergunta feita, então: “Você tomou café da manhã hoje?”, “Hoje eu não tomei café da manhã”. Não pode ser só “Não”. Então isso ajuda muito na hora de montar o roteiro, porque não precisa ficar aparecendo sua voz fazendo a pergunta toda hora, pode aparecer só a resposta da pessoa, até porque às vezes você quer usar em outro contexto, em uma cena mais de ação, e aí não cabe ficar fazendo a pergunta para depois a resposta. Quer fazer um corte mais acelerado, ter só as respostas da pessoa uma atrás da outra, é bom que ela tenha as respostas completas com a pergunta. Outra dica que também foi muito importante para mim era às vezes, dependendo, pedir para a pessoa: “Descreve onde a gente está?”, “Ah, estou em um bar aqui assim, estamos na frente de um rio”. Nem sempre vai funcionar, nem sempre fica legal a descrição da pessoa, mas às vezes é um achado. Eu fiz isso com a Carla Zambelli, que é deputada aliada do Bolsonaro, e ela se revelou uma apresentadora. Ela apresenta a sala como se ela estivesse literalmente em um museu do Bolsonaro, porque era o ex-gabinete do Bolsonaro, que ela manteve intacto.
[Carla Zambelli]: “Está escrito Bolsonaro em um adesivo branco, que era dele, a gente não tirou. Tem uma das medalhas, que é uma medalha azul e vermelha, ele deixou aqui sem querer e a gente manteve, é uma medalha dele. A gente não tem necessidade de colocar nessa repartição, mas todas as repartições públicas têm o presidente atual, e eu fiz questão de colocar ele do lado dos presidentes militares”.
Carol Pires: E ela faz a descrição de tudo que está lá de uma maneira maravilhosa e detalhada, então ela fala: “Isso aqui é uma medalha que ele ganhou não sei onde, que ele deixou aqui, eu guardei. Esses aqui são os presidentes militares: esse é fulano, sicrano, e depois eu incluí esse, que é do Bolsonaro, que não estava”. Ela foi muito bem. Não sei se ela fez media training, mas ela foi muito boa, porque aí ela nos faz estar no lugar. Também tem a questão de você ver na voz dela a admiração que ela sente pelo Bolsonaro, por ter guardado tudo aquilo e tal. Então também foi revelador. Acabei usando só essa parte da entrevista.
Ananda: É, me chamou a atenção, eu ia mesmo te perguntar sobre essa entrevista em particular, porque eu achei que ela descreveu muito bem. Foi ali perfeito.
[Trilha sonora]
Ananda: Carol, você pode falar um pouquinho sobre como foi o passo a passo ou o processo para construir esse podcast narrativo? Ia fazer as suas entrevistas, depois você escrevia; ou o contrário, aí alguém transcrevia? Ou não? Como era o processo para vocês até ter um episódio finalizado?
Carol Pires: Sim, a gente tinha um batalhão trabalhando, então eu montava mais ou menos o que eu queria fazer. Eldorado, eu fui sem produção, eu fui – eu mesma – lá, fui encontrando as pessoas. Mas outras, tipo o episódio dos militares, algumas coisas em Brasília, eu dizia para a produtora: “Olha, quero falar com essas pessoas”, então ela ligava e marcava. No final, eu até acabei usando menos produção do que poderia, porque em Brasília também as fontes eram minhas, então era mais fácil eu mandar um Whatsapp do que mandar uma pessoa que a fonte não ia conhecer para dizer que estava falando em meu nome para marcar uma entrevista. Mas ela me ajudou marcando várias coisas. Então eu chegava, marcava também minha viagem, já marcava passagem, hospedagem e tal, combinava quem ia ser o técnico de som – acabei usando vários técnicos de som, um em cada cidade; em vez de um técnico viajar comigo, cada cidade tinha um. Então chegava na viagem, encontrava o técnico, fazia as entrevistas. Essas entrevistas, assim que o técnico subia os áudios, já iam para o pessoal da transcrição, então já ficava tudo transcrito. Minha vida foi facilitada um pouco, porque eu estava muito grávida, então a gente fez um esforço para me desafogar um pouco também. Depois eu já ia montar os episódios pegando as transcrições, relendo, marcando e montando os roteiros. Aí uma vez montaram esses roteiros. A Flora e a Paula dirigiram juntas o podcast – a Paula Scarpin e a Flora Thomson-DeVeaux. Elas liam, faziam sugestões, o que elas achavam que funcionava ou não, e aí a Jordana Berg, que é a montadora, e a Paulinha, que também montou, uma das duas fazia ali uma montagem meio que grosseira, sem música, sem nada, só meu áudio com a entrevista da pessoa. Aí a gente ouvia isso. Só daí você já consegue ver que uma transição de assunto não combinou ou que deu uma pesada ficar muito tempo em um assunto só, que é melhor encurtar. Então um pouco ali você já consegue refazer o roteiro e voltar para a montagem. E aí ia para a montagem fina, com musicalização, com tudo isso, para a gente ver se tinha funcionado ou não. Até que eu fiz rapidamente. Acho que o Ângela, elas fizeram 16 versões do primeiro episódio, era uma coisa louca assim, até que elas contrataram dois roteiristas para ajudar. O Bolsonaro, eu fazia os roteiros, eu apresentava, então foi menos sofrido. Alguns episódios foram mais difíceis que outros. Acho que esse foi o primeiro, que já estava todo na minha cabeça, o segundo também, aí o terceiro… foi mudando um pouquinho. Agora eu não vou lembrar mais, mas acho que eu achava que Brasília ia caber no quarto e, no final, eu o puxei para o terceiro. Aí foi ficando mais óbvio, uma vez que as entrevistas todas estavam prontas. Já no final, aí já tinha começado a pandemia, ainda faltavam algumas entrevistas, que eu tive que fazer pelo telefone. Aí, quando estava tudo montado, foram surgindo os buracos: faltou falar disso, aqui talvez melhorasse se a gente fizesse mais uma entrevista. Então eu fiz uma entrevista de última hora com a Marina Silva ali dentro do meu armário com um áudio péssimo. Foi importante ter colocado a impressão dela ali. E aí voltava para a revisão final. Aí isso ia para a checagem. Tinha um checador, que checou tudo.
Ananda: Os fatos das informações?
Carol Pires: Ia checar tudo: se os nomes estavam certos, se os lugares que eu falo estavam certos, se eu falei que eram tantos quilômetros de uma cidade para outra – se isso estava certo, se eu falei que ele disse tal coisa… a pessoa checa tudo, é como se ela refizesse a minha apuração para ver se eu deixei passar alguma coisa errada. O que mais? E aí depois isso vai para a mixagem final. Aí acho que o Jabace fez a finalização e isso depois foi para o Spotify, que mandou para uma finalização especial deles lá na Espanha, que eu já nem lembro o nome que se dá a isso, mas acho que é mixagem mesmo. Em algum momento também, antes disso tudo, antes de ir para a checagem, o Fernando de Barros e Silva – ele era diretor da Piauí… nesse momento ele já não era diretor, mas ele é repórter especial, apresenta o Foro de Teresina – ouviu todos os episódios também para fazer uma escuta atenta, para ver se minhas análises estavam incorretas, para um pouco enxergar os buracos. Então era muita gente envolvida.
Ananda: Quantas pessoas em média? Mais de 30?
Carol Pires: É difícil, porque é a Rádio Novelo para a produção, então no Spotify estava o Vizeu e a Camila Justo, teve um menino que fez a capa, teve essa pessoa que mixou. Então no Spotify…
Ananda: E tem as pessoas de fora também, não é?
Carol Pires: É.
Ananda: Os parceiros ali que estão adjacentes, sim.
Carol Pires: É, então acho que tinha uns cinco do Spotify; na Piauí, eram só o Fernando, a Mari Faria, a checadora da Piauí também fez uma checagem… mais uns cinco da Piauí; e aí eu, os técnicos de som; e da Rádio Novelo eram a Paula, a Flora e uma produtora. E ainda tem o Marlos Ápyus, que me ajudou com a pesquisa do quarto e do quinto episódios.
Ananda: É, os créditos no final são bem grandes, não é? Podcast narrativo é o maior trampo, porque é uma equipe enorme.
Carol Pires: Imensa.
Ananda: E quando vocês estavam produzindo, já estava combinado que seria um exclusivo Spotify, ou foi na hora que vocês já começaram o projeto?
Carol Pires: A gente começou e logo o Spotify entrou.
Ananda: Ah, bacana. E, Carol, eu já te vi falando, não sei, em alguma entrevista que eu li sua que a princípio não vai rolar uma segunda parte, uma próxima temporada do Retrato Narrado, não é?
Carol Pires: É.
Ananda: Você já está balançando o rosto. Mas, olha só, e outras pessoas? Tipo, não poderia ter um Retrato Narrado de uma outra personalidade, uma coisa assim? Cada temporada sobre uma pessoa? Já estou aqui me intrometendo, dando ideias.
Carol Pires: Não, claro.
Ananda: Já surgiu essa possibilidade?
Carol Pires: Não, acho que a ideia nunca foi fazer outro do Bolsonaro, acho que a ideia era que cada temporada fosse um personagem, mas não tem previsão de fazer, não estou fazendo nenhum, acho que não está nos planos do Spotify isso agora. E não dá para fazer sozinha, é um trabalhão, tem muita gente envolvida, salários, pagamentos, viagens, estúdio. É um trabalho que é tido como jornalismo, mas custa o tanto de um filme, então é difícil fazer independente uma coisa tão grande. Daria para fazer algo menor.
Ananda: Tem alguém que você teria vontade de fazer podcast, de gravar sobre no Brasil, América Latina?
Carol Pires: Logo que eu terminei o Bolsonaro, eu tinha vontade de fazer uma coisa completamente diferente, eu queria fazer a Xuxa.
Ananda: Nossa, que máximo.
Carol Pires: Depois eu fiquei muito animada, na verdade, para fazer a Elza Soares, porque eu ficava imaginando que ia ser lindo falar alguma coisa, ter um silêncio e de repente entrar aquela voz dela rasgando. Deve ser uma experiência muito interessante. A voz dela tem muita textura. Mas isso lá atrás, logo que eu terminei o Bolsonaro. Mas não levei para frente nenhum, mas gostaria de fazer agora de alguma mulher e talvez fazer alguma coisa fora da política.
Ananda: Bacana. Saindo também um pouco do Retrato Narrado, como seria um Retrato Narrado teu? Quais seriam os sons? Quais seriam as referências? Quais seriam os elementos? Quem seria entrevistado? Sei lá, já pensou em te colocar… como seria uma história sobre ti?
Carol Pires: Eu… fazer um Retrato Narrado sobre mim mesma?
Ananda: Não você fazer sobre si mesma, mas como seria? Quais seriam os sons, os elementos? Quais seriam os barulhos, sabe? Não sei, qual seria a vibe? Sei lá, fiquei curiosa aqui pensando.
Carol Pires: Putz, tem uma ideia de série que é meio Girls, da HBO, encontra House of Cards.
Ananda: Nossa, ok. Interessante.
Carol Pires: Putz, não sei. Tem uma coisa de Brasília. Eu nasci em Brasília. Quando eu era mais nova, eu achava isso mais, mas hoje em dia eu já me acostumei, mas minha mãe tem uma chácara aqui perto, então é uma rotina familiar muito tranquila, com as galinhas, é cheio de bicho na chácara, tem aquela… tipo uma galinha que fica falando: “Tô fraco, tô fraco”.
Ananda: Não sei.
Carol Pires: Não me lembro agora o nome dela, fugiu o nome dela. É cheio dessas bichinhas lá na chácara da minha mãe. E aí de repente eu me arrumo e vou para o Congresso, e aí estou ali. E meio que hoje em dia o Congresso está meio parado, mas em outros momentos era meio que entrar para Congresso para estar (lotando) [00:33:08] grandes projetos, processo de impeachment, abertura ou não de inquérito contra o Temer. Você estava ali de repente falando com os senadores que parece que tinham mais importância naquele momento. Também eu era mais nova, então tinha para mim essa diferença de Brasília ser tanto esse lugar, que é uma cidade no interior de Goiás, como ser a capital do Brasil, e essa minha vida de sair ali da chácara e de repente entrar nos corredores do Poder. Bom, acho que isso – ia tocar Caetano o tempo inteiro.
Ananda: Ai, que tudo. Não, mas e você falou do Girls meet House of Cards, eu fiquei pensando que as Girls podiam ser você, a Natuza, a Julia Duallibi, sabe? Podia ser já o elenco.
Carol Pires: Exatamente. Somos melhores amigas, Julia, a Natuza. Tomei um café com a Natuza semana passada. Totalmente seríamos nós na vida íntima ali falando de namorados, amores, filhos, não sei o que, e depois lá dentro a gente superséria.
[Trilha sonora]
[Recado]
Ananda: Carol, e olha só, imagino que você consuma podcasts narrativos, tem algumas dicas. Até você compartilhou no curso, que eu fiz o seu pocket curso, que você compartilhou ali algumas referências. E eu queria que você falasse do jeito que você consome podcasts narrativos: se é do mesmo jeito que você consome um podcast diário, um podcast mais noticioso, se são experiências diferentes para você como ouvinte.
Carol Pires: Sim, para mim, o noticioso… eu consigo, estou dirigindo, ouvindo, para levar a minha filha à escola ou à academia, fazendo uma caminhada principalmente, tudo bem; quando eu vou ouvir um podcast narrativo, para mim é quase como se eu estivesse lendo um livro. Eu preciso deitar, estar tranquila, prestar muita atenção naquilo, meio que viver aquilo. Ontem eu até comecei um novo, que já é bem conhecido, chamado The Shrink Next Door (O Psicanalista na Porta ao Lado), que é sobre um cara – não é spoiler, já começa contando isso – que começou a atender um paciente, estava muito abalado, os pais tinham morrido, ele tinha recebido uma herança e ele começa a controlar o cara psicologicamente até quase assumir a vida dele, morar na casa dele, usar o dinheiro dele e tal. Comecei ontem, foi meio isso, antes de dormir, 40 minutos deitada no escuro ouvindo, e para mim é muito prazeroso prestar atenção nos sons e imaginar. É uma experiência meio de estar em um cinema, quando você está realmente ali uma hora sem olhar telefone, sem contato com a vida exterior, mas em que você imagina as imagens e tal. Então tem essa diferença para mim.
Ananda: Ai, que bacana. É, alguns podcasts narrativos que eu ouço, eu também gosto de, antes de dormir… ou então parar. Fico às vezes olhando até para o teto, sei lá, mas eu fico viajando na história. Parece que eu preciso visualizar aquilo.
Carol Pires: Lavar uma louça dá também.
Ananda: Dá.
Carol Pires: Vira ali uma terapia, uma repetição, você não precisa pensar muito.
Ananda: Carol, enquanto jornalista eu te acho muito versátil, você está em várias frentes, também faz roteiro. Às vezes eu acho que o mercado está mudando, mas tem muito essa coisa de colocar a gente em uma caixinha: “Você é só isso”, “Você é só aquilo”. Então eu queria saber o que você acha disso e se você tem algum conselho para os (focas) [00:36:58], para a galera que está meio que se descobrindo e que às vezes se sente pressionado para tomar uma decisão: “Eu quero fazer TV”, “Eu quero fazer hard news”, “Eu quero fazer não sei o quê”. O que você acha de tudo isso?
Carol Pires: Ah, hoje tem menos isso. Eu lembro que na faculdade de Jornalismo era muito isso: “Você vai trabalhar com rádio, com TV” e quem entrava na Globo aqui no estágio ia para todo sempre. Não tinha muito essa troca. Hoje em dia a Globo News é feita pelas minhas amigas do jornal, a Andréia Sadi, a Julia Duallibi, a Natuza Nery. Fizeram essa transição do impresso para a TV numa boa. A Julia trabalhou comigo na Piauí, já era um jornalismo mais investigativo; hoje, as três têm podcast, ainda que não seja narrativo, que seja mais de hard news. Mas, enfim, acho que hoje isso tudo é muito fluido. Acho que todo mundo meio que é o que se pede do jornalista, que ele seja capaz de fazer um pouco de tudo. Então experimentar. Eu fui uma estudante de Jornalismo que fiz… eu tive mil estágios; alguns que eu fiquei três meses, que achei uma bosta e saí. Mas experimentei, fui de assessora de imprensa do Ministério da Educação à produtora em uma produtora de rock aqui de Brasília. Enfim, passei por muitos lugares para experimentar, para conhecer as pessoas, para entender como era feito. Eu gosto muito de entender como as coisas são feitas. Depois essas coisas vão surgindo. É isso, trabalhar muito, mas também se conhecer, saber quando uma coisa está sendo difícil, mas que vai te entregar algo no fim do túnel. Já tive muito trabalho que eu ralava muito e sofria muito – e chorava inclusive -, mas eu pensava: “Isso vai me deixar mais forte, isso vai me levar a algum lugar”, tipo, tem um lugar no fim disso aqui. E tem outros que você fala: “Estou sofrendo à toa, não quero isso, não quero estar aqui daqui a um ano, então usar meu tempo para fazer outra coisa”. Acho que quanto mais a gente faz o que a gente gosta mesmo, mais a gente vai encontrando um caminho que é único nosso. Por exemplo, eu acho a Sônia Bridi maravilhosa, mas eu nunca quis fazer a carreira da Sônia Bridi, senão eu teria que ter entrado na TV, ter tentado ser repórter para depois ir para o Fantástico, para ver se eles me deixavam fazer matérias especiais e tal. Isso é um caminho que ela trilhou e que deu certo, porque ela fez, ela seguiu a intuição dela e em um momento em que a TV tinha inclusive muito dinheiro para te mandar fazer viagens pelo mundo todo e aquelas matérias especialíssimas dela. Se eu tentasse copiar isso… o mundo mudou, canais mudaram. Acho que a TV nem ia ter dinheiro para me mandar fazer… eu ia procurar uma carreira que se desfez no meio do caminho. Minha gente da minha geração queria ser colunista, queria ser o Elio Gaspari. Hoje em dia, você tem o site, tem mil colunistas. Ser colunista já não é mais sustentável, porque você não consegue ganhar cada vez mais pela sua opinião em um jornal impresso. Você precisa fazer mais do que isso. Então tentar copiar a carreira de alguém é muito difícil, porque os caminhos, ao mesmo tempo que estão abertos, vão mudando muito. Quanto mais você faz o que você gosta e o que te interessa, você vai ficando especialista em uma coisa que só você observou, você tem mais chance de trilhar um caminho próprio, de achar o que te deixa feliz.
Ananda: Como é que funciona? Você pode falar brevemente sobre isso?
Carol Pires: Sim. Eu acho que não tem exatamente para estudantes, eu acho que já é para jovens jornalistas – acabou de se formar, está no seu primeiro emprego, alguma coisa assim. Eles fazem vários cursos, em geral quem é o maestro da vez… a primeira geração lá estudou com o García Márquez, então estava a Leila Guerriero, que é uma jornalista incrível, argentina; estava o Julio Villanueva Chang, que depois fundou a Etiqueta Negra, que é uma revista peruana, que a Piauí se inspirou nela. Então a primeira turma de jornalistas, na época eles jovens, foram alunos do García Márquez e viraram todos grandes jornalistas latino-americanos, fundaram revistas e tal. Então depois, quando eu fui estudar, eles eram os professores. A Leila, o Julio eram os professores da fundação. Outro dia eu dei o meu primeiro curso na fundação. Era só uma aula, é uma masterclass, era só um dia. Mas então eles vão fazendo isso. E aí é o seguinte: você tem que se inscrever, você manda uma minibiografia em que – é exatamente o que você perguntou, um autorretrato narrado – você escreve ali duas páginas sobre você mesmo do jeito mais literário que você conseguir, porque ali já é um jeito legal de mostrar como você escreve, manda algum exemplo de coisas que você escreveu e aí se inscreve e eles vão selecionar. Muita gente se inscreve e eles selecionam acho que dez a 15 por vez. Tem uns que são muito legais, que você vai para passar o mês inteiro em Cartagena, curso intensivo de cultura, então são vários professores; tem uns que são só uma semana, aí eles fazem uma semana em Buenos Aires com Martín Caparrós, uma semana em Costa Rica com não sei quem, uma semana em Cartagena com o Jon Lee Anderson. Eu fiz esse, eu fiz o do Jon Lee Anderson em Barranquilla.
Ananda: Esses cursos são pagos ou são financiados pela fundação?
Carol Pires: Alguns são 100% financiados pela fundação, são bolsa; outros você precisa contribuir com alguma coisa, pagar a sua passagem, eles pagam a hospedagem, enfim. Tem vários tipos de combinado. Você pode tentar pedir bolsa também. Então, uma vez que você está lá… o que foi legal para mim? Porque eu já estava interessada em cobrir a América Latina, então no meu curso tinha uma brasileira que por um acaso agora está me editando em um trabalho nos Estados Unidos, porque ela se mudou; tinha um uruguaio que me ajudou quando eu fui fazer um perfil do Mujica, me apresentou várias fontes; tinha uma menina que era editora da Revista Colombiana, que foi onde eu publiquei essa matéria do cara que se vestia de tubarão. Minhas duas melhores amigas da vida eu conheci nesse curso, uma colombiana, uma porto-riquenha. Tem casais que se formam nesses cursos. A fundação tem inclusive os filhos desses cursos. As pessoas que se conheceram assim. Então você vai formando meio que uma rede também de contatos e de gente que pode te ajudar. E os professores também, então eu fiquei amiga do Jon, mas no começo era muito porque ele me ajudava. Às vezes eu falava: “Olha, vou fazer minha primeira reportagem internacional, o que eu faço? Com quem eu falo?”, então eles viram um pouco seus mentores. A fundação também faz um festival uma vez por ano em Medellín. Não tem tido por causa da pandemia, tem sido virtual, e, nesses encontros, a fundação leva os diretores das revistas literárias, hoje em dia, os podcasters. Então também é um ótimo momento para você ir, conhecer, fazer um curso rápido, apresentar seu trabalho, levar alguma coisa para a pessoa ler, levar a sua revista, o seu lambe-lambe, o que seja. Mas é meio que um grande encontro de jornalistas do continente todo, da Europa também. Se for assim, no festival você vai, você compra o seu ingresso e vai, tranquilo. Você vai conhecer as pessoas. Eu andei muito nesse círculo. Depois que eu fiz o curso com o Jon Lee, eles fizeram um encontro de cronistas de todo o continente, aí foi inclusive na época do Fernando Barros, que era diretor da Piauí, foi o Paulo Werneck, que na época era editor da Ilustríssima, da Folha. Eles levaram um jornalista jovem… 15 jornalistas jovens que eles colocaram ali como apostas da nova geração e todos os diretores de veículos. Então lá também eu conheci alguém, que depois eu publiquei alguma coisa. Acho que foi o editor da Gato Pardo, uma revista mexicana muito legal, e conheci também o editor da (Reportagem) [00:43:55], que é uma revista suíça. O editor também estava lá e eu depois publiquei nessa revista, porque eles assistiram à minha mesa, gostaram do que eu falei, depois me pautaram reportagem. Assim saí publicando em vários lugares do mundo.
Ananda: Bacana. É, você é superbem conectada nas Américas, eu diria. Que bacana o papel que a fundação teve na sua jornada. Uma curiosidade: nós brasileiros que somos dessa ilha isolada de língua portuguesa, é tranquilo, é necessário os jovens jornalistas que aplicam e participam terem um espanhol superfluente ou rola um portunhol? Como é a questão da comunicação?
Carol Pires: Não, você pode inclusive fazer sua inscrição em português…
Ananda: Ah, é?
Carol Pires: … mandar seu texto em português. Sim, sim.
Ananda: Que bacana.
Carol Pires: Mas claro que lá você vai ter mais dificuldade, porque a maioria vai estar falando espanhol. Você vai tirar mais proveito se você souber um espanhol mínimo ali para entender o que o professor está falando, mas, sim, você pode fazer sua inscrição em português.
Ananda: O que você tem feito, o que você gostaria de anunciar, de comunicar? Está rolando algum projetinho, #vemcoisaboaporai, coisas acontecendo?
Carol Pires: É, eu estou em nem uma entressafra, mas nesse momento meio de submersa, porque eu estou fazendo mil coisas, que eu não posso falar, porque não são só minhas, mas esse ano vou lançar documentário, uma série documental.
Ananda: Para vídeo, no caso?
Carol Pires: É, os dois em vídeo. Trabalhei mais em vídeo. Estou fazendo um projeto sobre a Constituinte chilena. Eu estou super na onda dos documentários, então esse ano vai ser mais vídeo do que qualquer coisa.
Ananda: Que legal, estamos ansiosos. É, quando eu escutei algumas entrevistas antigas suas, você falava: “Eu estou trabalhando em um podcast sobre política, não posso falar”, eu ficava assim… então no futuro saberemos. Bacana, legal.
Carol Pires: Sim.
[Recado]
Ananda: Carol, foi um prazer falar contigo, e eu quero pedir para você…
Carol Pires: O prazer foi meu.
Ananda: Adorei, amei mesmo. Quero pedir para você dar as suas redes, como as pessoas te encontram? O seu Twitter é maravilhoso, eu estou sempre lá, enfim.
Carol Pires: Nas redes eu estou como pirescarol, tanto no Instagram como no Twitter. No Twitter eu comento mais – estou meio afastada do Twitter, mas comentou um pouquinho de política. Estou tentando levar um pouco disso para o Instagram também, mas ainda não consegui. Mas é isso, pirescarol, vocês conseguem me encontrar. Meu site também é pirescarol.com. É isso, me escrevam se tiverem alguma dúvida. E obrigada, querida, pelo convite, adorei.
Ananda: Obrigada eu. E olha só, você não falou, mas você tem o seu pocket curso, que continua, não é?
Carol Pires: Também. Eu fazer outra turma em fevereiro. Pelo site, dá para colocar o nome lá. No Instagram também tem o e-mail para mandar. Nesse curso, eu falo um pouco dessas técnicas narrativas e dou dicas de leitura e como ler as coisas para depois saber aplicar na hora de escrever.
Ananda: Bacana, valeu. Depois vou colocar o link na descrição e tudo, os principais links. Inclusive da fundação, vou colocar, aí as pessoas podem acessar.
Carol Pires: Ah, coloca.
Ananda: Tchau, Carol, obrigada. Tchau, tchau.
Carol Pires: Obrigada. Tchau.
[Trilha sonora]
[Encerramento]
[00:48:14]
(FIM)
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Produção e apresentação: Ananda Garcia
Edição: Jennifer Mendonça
Transcrição: Amanda Barreiro
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